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segunda-feira, 9 de maio de 2011

O “PROGRESSO” DA MINERAÇÃO E INDÚSTRIA AO LONGO DO CORREDOR CARAJÁS...

Municípios do Corredor Carajás vêm crescimento da exploração sexual infantil após chegada de empreendidos liderados pela Vale

(Com informações de Marcio Zonta, de Bom Jesus das Selvas-MA, para o jornal Brasil de Fato. 06/05/2011)

A Vila Sansão fica a 70 quilômetros da cidade paraense de Parauapebas, onde está concentrada a exploração mineral do projeto de Carajás, liderado pela Vale. A vila é constituída de 257 lotes e conta com uma escola com uma escola de 17 professores e 360 alunos, da educação infantil ao ensino fundamental.
A população da vila, que surgiu em 1984, é de 1200 pessoas, grande parte atraída nos últimos tempos pela promessa de emprego na Vale e suas três terceirizadas, entre elas a Odebrecht, que vieram para a implantação da infra-estrutura do projeto Salobo, que explora cobre na região.
Situada no entorno da Floresta Nacional de Tapirapé, sob domínio de projetos da Vale, os moradores passaram a conviver com a chegada de 7 mil homens abrigados em grandes alojamentos construídos dentro da vila.
Antes a vila contava com quatro igrejas evangélicas, uma católica e quatro pequenas casas comerciais com venda de gêneros alimentícios. Hoje, a vila passou a ter nove bares e seis casas consideradas como locais de prostituição.
“Como consequencia, o índice de exploração sexual infantil aumentou drasticamente. Já foram constatados três casos de estupros. São adolescentes que deixam a escola e vão para prostituição, outras permanecem na escola e à noite caem na prostituição”, revela o sociólogo Raimundo Gomes da Cruz Neto, do Movimento dos Atingidos pela Mineração no Estado paraense.  
Tâmara
Aos dezessete anos, com traços indígenas, e uma estatura de aproximadamente 1,70 m, Tâmara* é uma dessas adolescentes citadas por Neto. Cursa o primeiro ano do ensino fundamental à tarde e à noite faz programa numa das casas de prostituição da vila, muito frequentada por funcionários da Vale e de suas terceirizadas.
“Moro na vila aqui há três anos com meus pais e meus três irmãos, primeiro viemos de uma cidadezinha pequena perto de Belém para Parauapebas, procurando emprego para o meu pai, depois disseram que era aqui que teríamos emprego e aí viemos para cá”, conta Tâmara.
O pai realmente arrumou um emprego, mas não na Vale, nem em suas terceirizadas. Hoje ele retira vegetações daninhas em fazendas próximas à Vila Sansão.
Já Tâmara, quase todas as noites adentra uma casa, que foi adaptada para receber homens das empresas instaladas na vila. Com um balcão à esquerda margeado de bancos, reserva quatro quartos ao longo de um corredor que termina em um quintal escuro ao fundo. A “casa” tem no mínimo seis adolescentes por noite para atender aos clientes.
“Em dia de semana, venho aqui umas 20h e vou embora lá pela meia noite, às sextas e sábados fico até mais tarde, umas 2h, 3h, pois tem mais homens”, diz Tâmara. 
Uma senhora atende os clientes que pedem bebidas: cerveja, cachaça ou algumas marcas de uísque nacional. Entre eles está Roberto*. “Frequento aqui faz tempo, desde que cheguei, há um ano. Venho de Goiás para trabalhar numa empresa aqui. Sabe como é, né? Só trabalhar, não dá”, afirma.
Roberto, que se negou a revelar o nome da empresa onde trabalha, revela que os freqüentadores do local têm ciência de que a casa explora menores. “A gente sabe que a maioria das meninas é ‘de menor’, nossos chefes sabem, as empresas sabem, mas, poxa, vir para cá no meio do nada morar com um monte de macho, sem nada para fazer de noite, fica complicado”.
“Sem discernimento”
Em meio a casas de taipa, de onde saem crianças sujas e descalças, desponta protegido por enormes portões um prédio com um belo alojamento de funcionários da Vale, trazendo o contraste entre a pobreza da região e o poderio econômico da mineradora.
Diferença esta que desperta a atenção de algumas adolescentes da cidade, com esperança de terem uma vida melhor. “Elas veem essas camionetes das empresas andando por aí, com homens com poder aquisitivo maior, e um alojamento como este da Vale em meio a tanta pobreza, isso mexe com o imaginário das meninas, o que as faz procurar os funcionários”, explica Neto.
Passa das 16h do sábado, 25 de março, e Cristina*, uma adolescente de 15 anos maquia-se em frente a um minúsculo espelho, pendurado numa das paredes da casa de taipa de três cômodos, que divide com a mãe, vendedora ambulante, e quatro irmãos mais novos.
Escolhe atentamente a roupa que vai vestir, entra num dos cômodos da casa e depois de vinte minutos reaparece pronta. Com seus longos cabelos amarrados, olha pela última vez ao espelho, para antes das 18h sair de casa e ir até o portão do alojamento da Vale ou para algum bar da cidade frequentado por funcionários.
“A gente fica no portão acenando para os homens de dentro do prédio da empresa, muitos deles saem para conversar com a gente. Aí marcamos alguma coisa de passear ou de ir a algum barzinho”.
Cristina revela que perdeu sua virgindade assim, aos 13 anos, com um funcionário da Vale. “Foi bom. Todas as vezes em que saímos, ele me dava algum dinheiro”.
Ao escurecer, no portão do alojamento da Vale, aglomera-se meia dúzia de meninas que prontamente são atendidas por alguns homens, indo até o portão conversar e acariciar, num primeiro momento, as mãos das adolescentes através dos portões.
Para Nonato Masson, advogado do Centro da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH) as “crianças e adolescentes não se prostituem, pois ainda não têm discernimento para assumir isso como profissão, pois estão em formação psicológica e social. Portanto, o que ocorre é que são exploradas sexualmente, mesmo”.
Surto
Dona Maria Oliveira teve 19 filhos, dentre eles, dez apenas sobreviveram diante das dificuldades oriundas da pobreza vivida por ela e pelo marido na cidade de Bom Jesus das Selvas, um município no interior do Maranhão que recebeu no inicio do ano passado mais de 3 mil homens que trabalharão na duplicação da Estrada de Ferro de Carajás, sob concessão da Vale.
Dos dez filhos que vingaram, três são homens e sete mulheres, três delas entre 14 e 16 anos. Segundo Meriam da Pastoral da Criança de Bom Jesus das Selvas, as três meninas já frequentaram pontos de prostituição.
Algo que se tornou corriqueiro para muitas meninas da cidade, conforme relata Tatiane Albuquerque, que coordena no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Bom Jesus das Selvas, um projeto cultural voltado para adolescentes em risco de exploração sexual. “São meninas pobres que passaram a frequentar pontos de prostituição, que aumentaram com a chegada das empresas”.
O conselho tutelar da cidade constatou que aumentou o número de adolescentes grávidas dos 13 aos 16 anos, além das doenças sexualmente transmissíveis, desde o inicio das obras de duplicação da via férrea na cidade.
Para Gildázio Leão, funcionário da Secretaria de Saúde de Bom Jesus das Selvas, com a chegada das empresas sem políticas definidas para sanar ou minimizar os problemas, corre-se o risco de se ter um surto de doenças contraídas sexualmente no município.
“Se a gente tem um aumento da população com a chegada das empresas, pessoas que chegam e que já podem ter o vírus, ou que mantiveram relações desprotegidas com essas menores podemos ter uma aumento considerável de pessoas infectadas”, esclarece.
Atualmente vinte e cinco pessoas foram diagnosticas com o HIV positivo, apenas 12 estão em tratamento no município, cinco com idade entre 13 e 20 anos, segundo dados da Secretaria de Saúde de Bom Jesus das Selvas.
Para Leão, no entanto, esse número pode ser até duas vezes maior, já que não se tem obrigatoriedade da identificação do soropositivo no Brasil.
Rebeca*, uma das filhas de dona Maria Oliveira, é uma das adolescentes com suspeita de estar infectada com o vírus, mas tem medo de fazer o teste. Aos 14 anos, frequenta assiduamente os pontos de prostituição da cidade por troca de bebida e dinheiro. “O que antes era dificultoso para as meninas, ganhar dinheiro, de certo modo tornou-se fácil, pois hoje quem freqüenta esses bares são homens assalariados”, diz Albuquerque.
(* Nomes fictícios)
 Meu comentário:
E em Açailândia do Maranhão, como anda essa situação? Milhares de trabalhadores da construção civil pesada, nas obras de “expansão da Estrada de ferro Carajás”; na construção da aciaria da Viena no Pequiá; outras centenas em obras de ampliação, melhoramentos e manutenção no pólo siderúrgico-petrolífero do mesmo Pequiá; outras dezenas em grandes e médias obras , reflexo do “boom” imobiliário da cidade que “se prepara” para ser brevemente uma das próximas vinte metrópoles regionais brasileiras... Trabalhadores estes oriundos de outros municípios, estados e regioões, não apenas locais...
O Distrito Industrial do Pequiá, o Plano da Serra e a Vila Ildemar, entre outros locais, sofrem um brutal impacto social com este enorme contingente populacional adicional, e entre as conseqüências, o tema da matéria de Márcio Zonta.
A exploração sexual infanto-juvenil é uma realidade visível, escancarada, e movimenta uma espetacular rede de interesses, como aliás foi demonstrado por duas CPIs estaduais ( 2003-2004 e 2009-2010) além da visita de uma CPI Mista Nacional (2009).
Se a situação já era “feia” antes destas obras, com Açailândia mapeada desde sempre como um dos municípios maranhenses de maior exploração sexual de Crianças e Adolescentes, agora que é que complicou de vez.
E acrescente-se que Açailândia é entroncamento rodoferroviário importante, cruzamento das BRs 010 Belém-Brasília e 222- Açailândia/Santa Inês, mais a EFC/Estrada de Ferro Carajás e a Estrada de Ferro Norte-Sul, com grande incidência de prostituição e exploração sexual nos postos de combustíveis e à margem das rodovias.
Infelizmente, o tal do  “progresso” só trata da questão econômica, pouco se importa com a questão social.  E Açailândia continua desde sempre sendo a terra do progresso, com uma população espoliada e marginalizada...
E quem sofre os maiores danos é justamente nossa infância e adolescência, vulnerável e fragilizada...
Em tempo: neste mês de maio, dos dias 16 a 20, acontece a “Semana Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes”, promovida pelo COMUCAA/Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Açailândia, através do “Grupo de Monitoramento  do Plano Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”.
(Eduardo Hirata)
(Imagem: cartaz da peça teatral “Que Trem é Esse?”, do Grupo JUPAZ, de Açailândia-MA. Por analogia, copio “que progresso é”?)

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